O discurso do papa
E após ouvir as pessoas, o papa pronuncia o seu primeiro discurso na ilha da Sardenha, entre as ovações dos presentes. Com gesto sério e concentrado. “Esta visita começa exatamente com vocês, o mundo do trabalho”.
“Desejo expressar-lhes, sobretudo, a minha proximidade, especialmente diante da situação de sofrimento de tantos jovens sem trabalho”.
E o papa deixa de lado os papéis, improvisa e se emociona:
“Meu pai, jovem se foi para a Argentina, cheio de esperança para fazer as Américas e sofreu a terrível crise e perdeu tudo. Eu ouvi na minha infância falar desta época na minha casa, ouvi na minha casa falar desse sofrimento, que conheço bem”.
“Peço-lhes coragem. E que esta palavra não seja uma palavra bonita, mas passageira. Não seja apenas o sorriso de um empregado cordial da Igreja, que vem e lhes diz: coragem! Não, não quero isto”.
“Esta é a segunda cidade que visito na Itália: as duas são ilhas. Na primeira, vi o sofrimento de tantas pessoas que buscam, arriscando a vida, dignidade, pão e saúde. São os refugiados”.
“E vi a resposta daquela cidade que, sendo uma ilha, não quer se isolar e recebe os refugiados, os faz seus e dá um exemplo de acolhida”.
“Aqui, também encontro sofrimento, que enfraquece vocês e acaba roubando suas esperanças. Um sofrimento, a falta de trabalho, que leva (perdoem-me por estas duras palavras, mas é a verdade) vocês a se sentirem sem dignidade. Onde não há trabalho falta a dignidade”.
“E este não é um problema só da Sardenha, da Itália, da Europa. É a consequência de um sistema econômico que conduz a esta tragédia. Um sistema econômico que coloca no centro um ídolo, que se chama dinheiro. E Deus quis que, no centro, no centro do mundo, não estivesse um ídolo, mas o homem e a mulher, que levam adiante o mundo com o seu trabalho”.
“Neste sistema sem ética, no centro, há um ídolo e o mundo tornou-se idólatra do dinheiro”.
“E para defender este ídolo ajudam o centro e provocam a queda dos extremos mais frágeis: os idosos... Este mundo não é feito para eles... eutanásia escondida... E caem também os jovens, que não encontram trabalho".
“Este mundo não tem futuro, porque as pessoas não têm dignidade sem trabalho. Este é o seu sofrimento”.
“É uma oração: trabalho, trabalho, trabalho. Trabalho quer dizer levar o pão para casa, amar, dignidade...”.
“E para defender este sistema idolátrico instala-se a cultura do descarte: descartam-se os idosos e os jovens”.
“Queremos um sistema justo. Não queremos este sistema econômico globalizado que nos causa tantos prejuízos. No centro, devem estar a mulher e o homem, não o dinheiro".
“Eu havia escrito algumas coisas para vocês, mas, ao vê-los pessoalmente, me vieram estas palavras. Entregarei ao bispo o meu discurso. Preferi dizer-lhes o que me sai do coração ao ver vocês neste momento”.
“É fácil dizer não percam a esperança. Não se deixem roubar a esperança. A esperança é como as brasas sob as cinzas. Ajudemo-nos com a solidariedade, soprando, para que venha a esperança...”.
“Devemos acalentar a esperança coletivamente. A esperança é coisa de todos”.
“Mas sejamos astutos. O Senhor nos adverte que os ídolos são mais astutos que nós. Convida-nos a ter a astúcia da serpente e a bondade da pomba. Chamemos as coisas pelo seu nome. Lutemos para que no centro esteja não um ídolo, mas a família humana”.
“Gostaria de terminar rezando com todos vocês, em silêncio. Direi o que vai brotando do meu coração. Em silêncio rezem comigo:
Senhor Deus, olha-nos.
Olha esta cidade e esta ilha.
Olha as nossas famílias.
Senhor, não te faltou o trabalho de carpinteiro. Foste feliz.
Senhor, falta-nos trabalho.
Os ídolos querem roubar-nos a dignidade.
O sistema injusto quer roubar-nos a esperança.
Senhor, não nos deixe sozinhos.
Ajuda-nos a nos ajudar entre nós.
Que deixemos o egoísmo e sintamos no coração a força do povo que quer seguir em frente.
Senhor Jesus, que não nos falte o trabalho; dá-nos trabalho e ensina-nos a lutar pelo trabalho.
Muito obrigado e rezem por mim”.
E as pessoas, na praça, choram, após ouvir o discurso do Papa contra o sistema capitalista injusto. Um discurso improvisado, que brotou do coração de pai. Sem lugares comuns. Com denúncia clara e contundente. E com o anúncio da esperança e da luta comum para reconquistar a esperança.
Um discurso tão pessoal que o Papa fez alusão à própria experiência familiar. Um discurso que só um Papa carismático como ele pode fazer. O discurso que brota da alma diante dos sardos desempregados.
Religión Digital, 22-09-2013.
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