Partindo da reflexão proposta pelo Papa Francisco na mensagem para o 55º Dia Mundial das Comunicações Sociais, a Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realizou na quinta-feira, 4 de fevereiro, a primeira edição das lives CNBB – Igreja no Brasil Painel de 2021 com o tema: “Gastar a sola do sapatos”: as inspirações do Papa para a Comunicação Social”.
“Nós
estamos vivendo um tempo de mentira. De notícias falsas cuidadosamente pensadas
e disseminadas nas redes sociais para fazer o mal às pessoas e grupos”, disse o
bispo auxiliar da arquidiocese de Belo Horizonte (MG) e presidente da Comissão
de Comunicação da CNBB, dom Joaquim Giovani Mol, na introdução do tema e
apresentação dos participantes. Dom Joaquim Mol é o mediador desta série de
lives.
Para
o 55º Dia Mundial das Comunicações Sociais, celebrado sempre na Ascensão do
Senhor, este ano dia 16 de maio, o Papa Francisco faz o convite em sua mensagem
a “ir e ver”, como os primeiros convites que Jesus Cristo fez aos discípulos,
conforme pode ser conferido em Jo 1, 46, como forma de conhecer a realidade.
Para o Santo Padre, este também é o método de toda a comunicação humana
autêntica.
No
jornalismo, segundo a mensagem do Papa, “ir e ver” evitaria a crise editorial
que corre o risco de levar a uma informação construída nas redações, diante do
computador, nos terminais das agências, nas redes sociais, sem nunca sair à
rua, sem encontrar pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios
olhos determinadas situações. Com esta mensagem, o Francisco convida a Igreja e
a todos que trabalham com comunicação a “gastar a sola dos sapatos” para
desenvolver uma comunicação autêntica capaz de dar conta da verdade das coisas
e da vida concreta das pessoas.
Concepção de comunicação no
magistério do Papa Francisco
O
jornalista, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Moisés Sbardelotto, levantou as noções de
comunicação apontadas nas mensagens de comunicação desde o início do magistério
do Papa Francisco. Com experiência na área de Comunicação, com ênfase em
internet, cultura digital, processos midiáticos e religião, Moisés defendeu que
o tema da comunicação abrange a vida humana e não se restringe apenas à
comunicação social, feita por profissionais da área, que tem o seu espaço e
importância no tecido social . “A comunicação é vista como processo e ações que
perpassam tudo que nós fazemos”, disse.
A
concepção do Papa Francisco, segundo Moisés, é muito enraizada no ser humano,
encarnada na realidade e pensada à luz do Evangelho. “Em suas mensagens, o Papa
sempre traz a concretude e a humanidade por trás dos processos de comunicação.
Não se trata de mera teoria, tecnicismo ou um instrumental para alcançar
objetivos”, afirmou.
A força-motriz da reflexão do Papa Francisco sobre comunicação
encontra-se na expressão forte de seu papado: “a cultura do encontro” em
contraposição à “globalização da indiferença”. O especialista em comunicação,
afirmou que o que Papa Francisco vai pensando mas também vivendo na prática,
com a sua própria vida, aponta para a direção que seu papado tomaria
explicitada por ele mesmo em sua primeira aparição pública já como Papa: “o
caminho de fraternidade”, tema de sua última encíclica Fratelli Tutti.
“O
Papa percebe na realidade humana contemporânea a globalização da indiferença.
As pessoas olham para o lado e já não enxergam mais um irmão e uma irmã.
Enxerga alguém a ser destruído e, até mesmo, morto simbólica e, muitas vezes,
concretamente. Em razão disto, o Papa promove a cultura do encontro ligada à
ideia de comunicação como um ação com os outros”, disse. A comunicação que
constrói muros ao invés de aproximar, segundo Moisés, é muito presente nas
redes sociais hoje.
De
acordo com ele, o Papa resgata suas três ideias centrais de comunicação do
Evangelho e o que configura a sua trilogia sobre o tema está expressa em suas
mensagens. Em 2018, quando falou da ideia de fake news (notícias falsas), tendo
escolhido a frase “A verdade vos tornará livres”, o Papa falou da da
desinformação por meio das falsas notícias e da responsabilidade dos cristãos
frente à esta realidade.
Outra
ideia, presente na primeira mensagem de 2014, é retirada da Parábola do Bom
Samaritano, considerada também como a parábola do bom comunicador pelo Santo
Padre. Para o chefe da Igreja, o bom comunicador, a exemplo do Bom Samaritano,
é alguém que está atento à realidade, às estradas da vida, aos sofrimentos e
injustiças da história, se inclina e vai ao encontro do outro, fazendo-se
próximo.
A
outra imagem forte, segundo Moisés, o Papa trouxe em sua primeira visita ao
Brasil, os discípulos de Emaús com quem Jesus faz o movimento de estar em
saída, de ir ao encontro, escutar e ouvir para, só então, estabelecer um
diálogo, propor a sua verdade e aquilo que trazia também em seu coração. Em
2020, o Papa apresentou a ideia da má informação e convida os comunicadores a
construir boas histórias e narrativas. Na mensagem deste ano, ele fala do
método de toda comunicação humana autêntica: “ir e ver”.
“Os
três verbos de Emaús sintetizam a comunicação do Papa. Ir ao encontro para se
pôr à escuta. O Santo Padre diz que nunca deveremos responder a perguntas que
ninguém se põe, sob o risco de fazer uma comunicação que fala sem prestar
atenção à realidade. Que devemos buscar uma comunicação que harmoniza as
diferenças porque elas nos enriquecem. Não apenas dar algo para alguém, mas
também saber receber do outro a sua riqueza”, disse.
Quem
quiser conhecer um pouco mais das ideias de Moisés Sbardelotto pode buscar
pelos livros que ele publicou: Comunicar a fé: por quê? Para quê? Com quem?,
pela editora Vozes; E o Verbo se fez rede: religiosidades em reconstrução no
ambiente digital, pela Paulinas e o E o Verbo se fez bit: A comunicação e a
experiência religiosas na internet, pela editora Santuário.
Comunicação que promove o
encontro
A
jornalista e assessora de comunicação da 6ª Semana Social Brasileira e
vice-presidente da Signis Brasil, Osnilda Lima, louvou o esforço da Igreja no
Brasil de se posicionar firme por meio da divulgação do vídeo com a presidência
da CNBB motivando à imunização da população contra a Covid-19. Por outro lado,
a jornalista disse ser necessário também, no contexto de comunicação atual,
pedir perdão pelas notícias falsas, pelo excesso de informação sem
aprofundamento e pelas vezes que não soubermos ir e ver e depois narrar sobre o
que as pessoas têm a falar.
Ela
falou do “cancelamento”, prática forjada, muitas vezes, por pessoas
especialistas em disseminar notícias falsas e usam da arte de manipular
multidões a partir de suas crenças para controlar opiniões nas redes sociais.
Outro problema apontado por Osnilda é o da “infodemia”, o vírus da má
informação, o excesso de informação sem qualidade que circula, por exemplo,
agora no contexto da pandemia. Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde de
2020 apontou que quase 70% de notícias falsas sobre a pandemia circulou pelo
Whatsapp. Só em abril de 2020 foram carregados 361 milhões de vídeos no Youtube
referentes à covid-19. “Como nós comunicadores da Igreja nos colocamos diante
disto?”, perguntou.
A
assessora de comunicação apontou que ao mesmo tempo que diminuiu o crédito dos
veículos tradicionais de comunicação aumentou o poder de comunicação das
pessoas nas redes sociais. Contudo, um problema decorrente daí, segundo a jornalista,
é a confiabilidade nas informações. Ela apontou que os cristãos devem ter o
cuidado para não disseminar notícias falsas e também não ferir a liberdade de
comunicação com a justificativa de que pode comunicar qualquer coisa, mesmo sem
embasamento real. “Nossa missão é reverberar as vozes silenciadas do povo”,
disse.
Em
contraposição a este modelo de comunicação instrumental e funcionalista,
Sbardelotto defendeu a necessidade de buscar uma comunicação baseada na
sensibilidade e não na mera informação, que não tem rosto, história e não está
construída baseada em relações humanas. “A ideia é buscar uma comunicação que
tenha um rosto, que tenha histórias humanas por trás, que a gente possa tocar
nos sentimentos e experiências em jogo”, disse.
“Do
ponto de vista cristão, nenhuma informação deve ser imparcial, isenta e neutra.
Nós cristãos tomamos partido: Na dúvida fique ao lado dos pobres, das minorias
perseguidas e da criação, como apontou o Papa”, disse.
A
quem comunga da experiência do seguimento a Jesus e de estar em sintonia com o
Santo Padre, Moisés aponta o papel de ajudar a construir, por meio da
comunicação, a esperança e o olhar pascal mesmo em cenários de maior desolação
como o vivido agora em tempos de pandemia.
Lives CNBB – Igreja no Brasil
Painel
O
objetivo desta série de lives, que se estenderá ao longo de 2021, é conectar
pessoas e experiências às ideias e processos que estão sendo vivenciados na
Igreja no mundo e na Igreja no Brasil, percebendo como estes temas do
magistério da Igreja e do Santo Padre são encarnados na realidade brasileira.
As
lives acontecerão sempre na primeira quinta-feira do mês, às 17h, com um tema
de aprofundamento ligado ao magistério da Igreja e do Papa Francisco. A próxima
está marcada para o dia 4 de março e poderá ser acompanhada por meio das redes
sociais da CNBB.
Fonte:
CNBB / Imagem: Reprodução CNBB
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