A Congregação para
a Doutrina da Fé publicou esta quinta-feira, 1°/03, a Carta
Apostólica Placuit Deo. O cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom
Orani João Tempesta, comenta alguns aspectos do documento:
"Uma breve
carta dirigida aos bispos, aprovada pelo Papa Francisco aos 16 de fevereiro de
2018, oriunda da Sessão Plenária da Congregação da Doutrina da Fé no dia 24 de
janeiro de 2018, e, assinada na Sede da Congregação aos 22 de fevereiro de
2018, publicada nesta quinta-feira, dia 1º de março de 2018, contendo sete
laudas que subdividida em seis tópicos, com 15 parágrafos numéricos, incluindo
a Introdução; O impacto das transformações culturais de hoje sobre o
significado da salvação cristã; O desejo humano de salvação; Cristo, Salvador e
Salvação; a salvação na Igreja, corpo de Cristo e concluindo com o Comunicar a
fé, esperando o Salvador.
A Carta retoma o
início da Dei Verbum ratificando o caminho da salvação em Cristo que
deve ser sempre aprofundado e que na realidade hodierna torna-se de difícil
compreensão diante das transformações culturais.
No segundo tópico,
com três parágrafos, a realidade se apresenta por meio do «individualismo
centrado no sujeito autônomo», cuja figura de Cristo corresponde a um modelo
para a prática da generosidade em gestos e palavras, mas não da transformação
da condição humana, configurada na Trindade. Também apresenta uma salvação
apenas interior e não de relações com os demais e com o mundo criado. Assim a
Encarnação do Verbo se torna algo cada vez menos compreensível, distanciando-se
da família humana e da história.
No Magistério
Ordinário do Papa Francisco menciona duas tendências ou desvios, semelhando-se,
em linhas gerais comuns, a heresias antigas: pelagianismo e gnosticismo.
Espelhando um neo-pelagianismo o homem atual, autônomo, salva-se sozinho,
independente de Deus e dos demais, tudo depende de suas forças individuais e
cegando « novidade do Espírito de Deus». Já o neo-gnosticismo oferece uma
salvação subjetiva, «com o intelecto para além da carne de Jesus rumo aos
mistérios da divindade desconhecida».
Libertando, pois, a
pessoa do corpo e do mundo material. Esses erros antigos têm algo de familiar
com os atuais movimentos, apesar das diferenças do contexto histórico. As duas
tendências — o individualismo neo-pelagiano e o desprezo neo-gnóstico do corpo
— desconfiguram a fé em Cristo. A salvação é a nossa união com Cristo
Encarnado, Irmão Maior, que viveu, sofreu, morreu e ressuscitou, proporcionando
nova ordem relacional com o Pai e entre os homens e mulheres, levando-nos ao
dom de seu Espírito.
O homem, na ânsia
de saber quem é, pois existe, busca a felicidade utilizando-se de meios
diversos para alcança-la. No entanto, a felicidade se mescla com a esperança da
saúde física, com o bem-estar financeiro, de uma paz interior e convivência
pacífica com o outro. A par disso, o desejo de salvação torna-se um compromisso
frente um bem maior, marcado pela resistência e superação da dor, levando-nos a
lutar pelo bem, defendendo-nos do mal.
«A vocação última
de todos os homens é realmente uma só, a divina». A plenitude da Salvação
é o rejeitar a autossuficiência humana, pensando que coisas e bens materiais
lhe proporcionaram a autorrealização. A revelação é algo mais, pois «Se a
redenção, ao contrário, devesse ser julgada ou medida pela necessidade
existencial dos seres humanos, como poderíamos evitar a suspeita de termos
simplesmente criado um Deus-Redentor à imagem de nossas próprias necessidades? ».
O mundo todo é bom,
biblicamente falando! O mal nasce no coração do homem que se fecha em si mesmo,
separando-se da fonte de comunhão e vida que é Deus. A fé nos leva a uma
salvação do homem todo, da pessoa humana inteira que é chamada a ter vida e
vida plena.
Deus nunca desiste
do homem e na história da salvação vemos desde Adão esta fidelidade e o
insistir terno de uma aliança que nós rompemos constantemente. O homem cai,
Deus vem e o ajuda a levantar uma, duas, três e quantas vezes, for necessário.
Deus não desistindo de nós, na plenitude dos tempos, nos envia Jesus que
anuncia o Reino e ao acolhê-l’O, acolhemos a Salvação.
Tradicionalmente a
Salvação sempre se dá por iniciativa e dom de Deus, ou seja, de forma
descendente. Com Jesus, dar-se-á numa dinâmica inversa, de forma ascendente. O
agir não será de uma maneira individualista, mas sempre em comunhão, uma vez
que agir humano e agir divino se coadunam para um único fim: a salvação.
Assemelhando-nos a Cristo, impulsionados pelo Espírito Santo, realizamos as
obras do Criador.
Em Jesus Encarnado,
O Filho nos faz filhos e irmãos uns dos outros, tornando-nos uma só família
humana numa nova relação com Deus. Porquanto, Jesus Encarnado possibilita a
mediação concreta da salvação de Deus com os filhos de Adão.
Enfim, nem
reducionismo individualista da tendência pelagiana e nem reducionismo
neo-gnóstico que promete uma libertação interior, respondem a salvação, uma vez
que Jesus é Salvador e Salvação, e «em certo modo, o princípio de toda graça
segundo a humanidade».
Igreja é o local da
salvação trazida por Jesus. A Igreja é mediadora da salvação, «sacramento
universal de salvação», garantindo que a realização se dá na comunhão de
pessoas em comunhão com a Trindade. Através do Batismo entramos na vereda da
Salvação. Podendo crescer sempre mais com a Eucaristia, fonte e cume do amor. E
mesmo caindo podemos ser regenerados e reconciliados com o Pai e os irmãos, por
meio do sacramento da Penitência.
Esta economia
soteriológica dos sacramentos compreende o corpo humano, que longe de ser peso,
torna-se linguagem sacramental. Na encanação de Jesus e no mistério pascal
perpetua-se a obra de misericórdia do Pai para com os filhos, compadecendo dos
sofrimentos destes.
«A salvação
integral, da alma e do corpo, é o destino final ao qual Deus chama todos os
homens». Conscientes da vida plena somos impulsionados e nos comprometemos a
proclamar a todos com alegria e luz a Boa-Nova: o Evangelho! Para tanto é
mister uma relação dialógica, construtiva com as demais religiões, pois Deus
opera em todos, de boa vontade, mesmo que veladamente. O último inimigo a ser
vencido é a morte. Com as virtudes teologais – fé, esperança e caridade – e o
exemplo de Maria e das Testemunhas cremos que somos cidadãos dos céus e
gozaremos da glória eterna.
Vamos aprofundar o
texto, deixar que ele ilumine a nossa realidade de hoje e consequentemente
colocar em prática esta importante carta da Congregação para a Doutrina da Fé e
que, mesmo diante das mudanças sociais, a salvação seja sempre anunciada e
oferecida para que muitas pessoas continuem enamoradas pelo Divino Redentor.
Orani João, Cardeal
Tempesta, O.Cist.
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