“Para
sair de uma pandemia, é preciso cuidar-se e cuidar uns dos outros. Temos de
apoiar aqueles que cuidam dos mais frágeis, dos doentes e idosos. Existe o
hábito de deixar os idosos de lado. De abandoná-los. É feio isso.” Estas foram
as palavras iniciais proferidas pelo Papa Francisco na catequese da terceira
Audiência Geral pública, desde o início da pandemia de coronavírus, realizada
no Pátio São Dâmaso, nesta quarta-feira (16/09).
“Curar o mundo. Cuidar da Casa comum e atitude contemplativa”
foi o tema deste encontro semanal em que o Pontífice ressaltou que os “cuidadores desempenham
um papel essencial na sociedade de hoje, embora com frequência não recebam o
reconhecimento nem a remuneração que merecem. O cuidado é uma regra de ouro da
nossa condição humana e traz consigo saúde e esperança. Cuidar de quem está
doente, de quem precisa, de quem é deixado de lado. Esta é uma riqueza humana e
cristã”.
A
contemplação cura a alma
Devemos dirigir este cuidado
também à nossa Casa comum: à terra e a cada criatura. Todas as formas de vida
estão interligadas, e a nossa saúde depende daquela dos ecossistemas que Deus
criou e dos quais nos encarregou de cuidar. Por outro lado, abusar deles é um
pecado grave que nos prejudica e nos faz adoecer. O melhor antídoto contra este
uso impróprio da nossa Casa comum é a contemplação. Mas como! Não existe uma
vacina para isso? Para a cura da Casa comum? Para não deixá-la de lado? Qual é
o antídoto contra a doença de não cuidar da Casa comum?
Segundo o Pontífice, “quando não se aprende a parar a fim de
admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que tudo se transforme em objeto de
uso e abuso sem escrúpulos. Um objeto que se usa e joga fora. No entanto, a
nossa Casa comum, a criação, não é um mero ‘recurso’. As criaturas têm um valor
em si e ‘refletem, cada uma à sua maneira, um raio da infinita sabedoria e
bondade de Deus’. Este valor e este raio de luz divina devem ser descobertos e,
para os descobrirmos, precisamos de silêncio, escuta e contemplação. A
contemplação cura a alma”.
Trabalho
não é sinônimo de exploração
Francisco disse que “sem contemplação, é fácil cair num antropocentrismo
desequilibrado e soberbo, eu no centro de tudo, o que sobredimensiona o nosso
papel de seres humanos, posicionando-nos como dominadores absolutos de todas as
outras criaturas. Uma interpretação deturpada dos textos bíblicos sobre a
criação contribuiu para esta interpretação errada, o que leva a explorar a
terra a ponto de a sufocar. Explorar a criação. Este é o pecado. Acreditamos
que estamos no centro, pretendendo ocupar o lugar de Deus, e assim arruinamos a
harmonia da criação, a harmonia do desígnio de Deus”. E acrescentou:
Tornamo-nos
predadores, esquecendo a nossa vocação de guardiães da vida. Sem dúvida,
podemos e devemos trabalhar a terra para viver e para nos desenvolvermos. Mas
trabalho não é sinônimo de exploração, e é sempre acompanhado pelo cuidado:
lavrar e proteger, trabalhar e cuidar. Esta é a nossa missão. Não podemos
pretender continuar crescendo a um nível material, sem cuidarmos da Casa comum
que nos acolhe. Os nossos irmãos mais pobres e a nossa mãe terra gemem pelos
danos e injustiças que causamos, e reclamam outro rumo. Pedem uma conversão,
mudança de estrada. Cuidar também da terra, da criação.
“É
importante recuperar a dimensão contemplativa. Olhar para a terra, a Criação
como um dom, não como algo a ser explorado para o meu proveito. Quando
contemplamos, descobrimos nos outros e na natureza algo muito maior do que a
sua utilidade. Aqui está o centro do problema. Contemplar é ir além da
utilidade de uma coisa. Contemplar o belo não significa explorar. É contemplar.
É gratuito. Descobrimos o valor intrínseco das coisas que lhes foram conferidas
por Deus. Como muitos mestres espirituais ensinaram, o céu, a terra, o mar,
cada criatura possui esta capacidade icônica ou mística de nos reconduzir ao
Criador e à comunhão com a criação”, disse o Papa.
Cada um
de nós deve ser guardião do ambiente
Segundo o Pontífice, “a contemplação, que nos leva a uma atitude de cuidado,
não significa olhar para a natureza de fora, como se não estivéssemos imersos
nela. Estamos dentro da natureza! Fazemos parte da natureza! Pelo contrário,
faz-se a partir de dentro, reconhecendo-nos como parte da criação, tornando-nos
protagonistas e não meros espectadores de uma realidade amorfa que só se
trataria de explorar”.
“Tem uma coisa que não devemos nos esquecer”, frisou o papa. “Quem não sabe contemplar a
natureza e a criação, não sabe contemplar as pessoas em suas riquezas e quem
vive para explorar a natureza, acaba explorando as pessoas e as trata como
escravas. Esta é uma lei universal. Se você não sabe contemplar a natureza, é
difícil que saberá contemplar as pessoas. A beleza das pessoas, o irmão , a
irmã, todos nós.” A seguir, acrescentou:
Quem sabe
contemplar, começará mais facilmente a trabalhar para mudar aquilo que produz
degradação e danos para a saúde. Compromete-se a educar e a promover novos
hábitos de produção e de consumo, a contribuir para um novo modelo de
crescimento econômico que garanta o respeito pela Casa comum e o respeito pelas
pessoas. O contemplativo em ação tornar-se guardião do meio ambiente. É bonito
isso! Cada um de nós deve ser guardião do ambiente, da pureza do ambiente,
procurando conjugar saberes ancestrais de culturas milenares com novos
conhecimentos técnicos, a fim de que o nosso estilo de vida seja sustentável.
Relação
fraterna com a criação
“Contemplar e cuidar: eis
duas atitudes que indicam o caminho para corrigir e reequilibrar a nossa
relação de seres humanos com a criação. Muitas vezes a nossa relação com a
criação parece ser uma relação entre inimigos. Destruir a criação para o meu
benefício. Não podemos nos esquecer que isso se paga caro. Não nos esqueçamos o
ditado espanhol: “Deus perdoa sempre, nós perdoamos às vezes, a natureza não
perdoa nunca”. Hoje, li no jornal sobre as duas grandes geleiras da Antártica,
perto do Mar de Amundsen. Estão prestes a cair. Será terrível, porque o nível
do mar aumemntará e isso irá trazer muitas, muitas dificuldades e muito mal. E por
que? Por causa do aquecimento, do não cuidar do meio ambiente, não cuidar da
Casa comum. Por outro lado, quando temos esta relação – deixe-me dizer a
palavra – “fraterna”: é uma figura; uma relação “fraterna” com a criação, nos
tornamos guardiães da Casa comum, guardiães da vida e guardiães da esperança.
Protegemos a herança que Deus nos confiou para que as gerações futuras possam
desfrutá-la. E alguém pode dizer: “Mas eu vivo assim”. O problema não é como
você administra hoje – isso foi dito por um teólogo alemão, protestante, bom:
Bonhoeffer – o problema não é como você administra hoje; o problema é: qual
será a herança, a vida da geração futura? Pensemos nas crianças, nos netos: o
que deixaremos se exploramos a criação? Vamos proteger este caminho. Preservemos
a herança que Deus nos confiou, para que as gerações futuras possam usufruir
dela”, disse Francisco, acrescentando:
Penso de
forma especial nos povos indígenas, com os quais todos nós temos uma dívida de
gratidão, mas também de penitência, para consertar o mal que fizemos a eles.
Mas penso também nos movimentos, associações e grupos populares que estão
comprometidos em proteger o próprio território com os seus valores naturais e
culturais. Estas realidades sociais nem sempre são apreciadas, às vezes são até
impedidas, mas na realidade contribuem para uma revolução pacífica, a
“revolução do cuidado”. Contemplar para curar. Contemplar para cuidar.
Contemplar para proteger, proteger a Criação, os nossos filhos, netos e
proteger o futuro. Contemplar para curar e proteger e deixar uma herança para a
geração futura.
O Papa
concluiu, dizendo que “não é necessário delegar a alguns a tarefa que compete a
cada ser humano. Cada um de nós pode e deve se tornar um ‘guardião da Casa
comum’, capaz de louvar a Deus por suas criaturas, contemplando-as e
protegendo-as”.
Mariangela Jaguraba – via
Vatican News
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