terça-feira, 23 de junho de 2015

Testemunho de Ir. Ljubica Šekerija, da Congregação das Filhas do Amor Divino; encontro com o Santo Padre (o Papa Francisco) para as vocações; Catedral de Sarajevo (Bósnia e Herzegovina), 6 de junho de 2015.

Santo Padre!
Meu nome é Irmã Ljubica Šekerija. Pertenço à Congregação das Filhas do Amor Divino. Antes da guerra, por mais de cinquenta anos as Irmãs da minha Congregação cuidavam das pessoas idosas e deficientes, no território de Travnik, na Bósnia central, arquidiocese de Vrbosnia. Trabalhei durante cinco anos no sanatório civil, que abrigava pacientes de diversas nações e confissões, sobretudo, muçulmanos. Quando rebentou a guerra na Bósnia e Herzegovina, apareceram milicianos provenientes de alguns países árabes do Oriente Médio.
No dia da festa da Santa Teresa d’Ávila, 15 de outubro de 1993, por volta das onze horas da manhã, cinco milicianos estrangeiros, todos armados, invadiram a casa paroquial, onde eu estava preparando o almoço para os sacerdotes, padre Vinko Vidaković e padre Pavo Nikolić, os únicos que permaneceram no território de Travnik. Os milicianos me obrigaram a ir com eles. Com a coerção física, eles me fizeram subir num caminhão. Ao redor do caminhão estavam reunidos os cidadãos não 
cristãos de Travnik que, zombando de mim, aplaudiam o ato daqueles milicianos armados. No caminhão, encontrei o pároco de Travnik, padre Vinko Vidaković, que, na época, estava muito doente, e três leigos, que trabalhavam na Caritas paroquial. Vendaram-me os olhos com o meu hábito religioso e fizeram o mesmo com os outros, com as suas vestes. O caminhão parou no quartel general deles, que se encontrava numa aldeia chamada Mehurići, próxima de Travnik. Eles nos trancaram num aposento e ali nos tiraram as vendas dos olhos e tomaram os nossos objetos pessoais. No meu bolso, encontraram o Terço. Os milicianos obrigaram o pároco, padre Vinko, a espezinhar o meu Terço com os seus sapatos. Ele se recusou. Um dos milicianos, desembainhando a sua espada, ameaçou o pároco de massacrar-me, se não espezinhasse e profanasse o Terço. Então, eu disse ao pároco: “Padre Vinko, deixe que me matem; mas, por amor de Deus, não esmague o nosso objeto sagrado!”  Por fim, um deles tomou o Terço e o lançou por terra, sobre o pavimento, saindo do aposento e deixando-nos sós. Imediatamente, eu recolhi os pedaços do Terço e com as unhas rasguei o colchão, escondendo dentro dele as contas do Terço. Pouco depois, os milicianos retornaram e perguntaram, primeiro ao pároco e depois a mim, quantos filhos nós tínhamos e, se tínhamos os pais, onde se encontravam. Respondemos que não tínhamos filhos. Um deles viu o anel no meu dedo e quis tirá-lo, ordenando-me que o fizesse logo. Então, eu tirei o meu anel religioso, tão íntimo e sagrado para mim, e o entreguei aos soldados. Foi muito difícil para mim ... A este ponto, um dos milicianos estrangeiros, em bósnio forçado, me disse: “Vocês não têm pai ou mãe? Vejam, o fuzil metralhadora é a minha mamãe, o meu papai, a minha mulher e os meus filhos”. Os milicianos nos provocavam constantemente e nos humilhavam, dirigindo-nos palavras obscenas e vulgares, depois nos
espancaram com pontapés e pancadas. Nestes momentos difíceis, o pároco padre Vinko, nos disse a voz baixa: “Não temam; já dei a absolvição a todos. Agora, estamos prontos para morrer em paz!”. Estas palavras foram para todos nós uma consolação imensa. Naquela noite, todos nos espancaram. Um dos milicianos me perguntou o meu nome. Respondi que me chamo Ivka. Ele, rodeando-me, replicou: “De agora em diante, não serás mais Ivka, mas Emšihata”. Sentei-me com os braços cruzados, mas um dos milicianos me ordenou imediatamente que estendesse as mãos, dizendo que só Satanás tem os braços cruzados. Naquele momento, senti o cano do fuzil sobre a minha face e uma voz que me ordenava que confessasse o Islã como única e verdadeira religião. Eu estava apavorada, mas permanecia calada; a mesma voz me ordenou que não referisse a ninguém aquelas coisas; do contrário, a minha cabeça terminaria no inferno.  Pensei que tivesse chegado o momento da minha morte. Um dos milicianos entrou e me perguntou se eu tinha fome. Eu disse que sim e ele me ofereceu uma pera, dizendo: “Vê! Os soldados estrangeiros não estupram e não matam ...; entretanto, é melhor que tu estejas calada e não fales disso a ninguém; do contrário, a tua cabeça terminará no inferno”. Respondi: Fui capturada por um miliciano estrangeiro e agora sou libertada por um miliciano estrangeiro”.

O pároco Vinko Vidaković permaneceu no cárcere por mais três dias e eu fui levada de volta a Travnik e depois libertada. Quando entrei no meu convento, eram oito da noite. Dirigi-me imediatamente ao Santíssimo e vi, na nossa capela de São Leopold Mandića, as minhas coirmãs ajoelhadas diante do Santíssimo, que rezavam por mim “com jejum, com lágrimas e lamento” (Joel 2,12).


Padre Santo!

Agradeço-lhe de coração pela Sua visita, que nos encoraja e nos fortalece na nossa vocação. Este é o meu testemunho; mas, há ainda outras irmãs, religiosos e sacerdotes que durante a última guerra na Bósnia e Herzegovina experimentaram sofrimentos semelhantes. Por quanto os inimigos foram insensíveis e malvados, superabundou a graça de Deus (Cf. Rom 5,20) sobre nós.

Por tudo isso, rendemos graças a Deus!
Obrigada, Santo Padre!
Sr. Ljubica Šekerija, FDC 

Nenhum comentário:

Postar um comentário