quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Sou como você me vê e algo mais!


Ir. Myriam Serrano Lyra

Neste conjunto de fotografia e autorretrato contemplamos um especial elaborado. Trata-se de Ir. Myriam Serrano Lyra (1917-2007) dialogando com  a sua autorepresentação. Um confronto com a realidade de si mesmo, com a sua verdade, talvez um diálogo com  Eu profundo, descobrindo e afirmando sua própria identidade. Expressa um possível encontro, bem parecido com ela: Sou como você me vê e algo mais.
 Conhecendo Ir. Miriam e, a partir da nossa convivência, no tempo em que foi Vice–Mestra da Candidatura e do Noviciado, mais tarde como coirmã na Comunidade do Colégio Nossa Senhora das Neves podemos pensar como Friedrich Nietzsche:  Há (neste especial elaborado) uma inocência na admiração: é a daquela a quem ainda não passou pela cabeça que também ela poderia um dia ser admirada. Admiramos e lhe agradecemos  por tudo quanto “pintou em  nossa alma”. Portanto, trilhando o caminho existencial de sua vocação, o autorretrato, alvo do seu próprio olhar, ganha apenas o sentido de um mapa de sua alma. Não se trata de narcisismo
É um olhar atento aos momentos de máxima inspiração, que brota de uma visão desinteressada do mundo. No estado estético, é indiferente se a contemplação do pôr do sol ocorre a partir de uma prisão ou de um palácio, se os olhos de quem vê pertencem a um mendigo ou a um rei, pois nesse instante a contemplação é impessoal; quem frui o belo é o claro olho cósmico. Assim, Ir. Miriam erigiu monumentos duradouros de paz de espírito. Tem-se aí um tipo especial de alegria estética  vinculada ao puro conhecer de seus caminhos.  É uma intuição puramente objetiva de um espírito direcionado pelo olhar oriundo de uma visão desinteressada do mundo. ( cfr SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como representação, pp. 265-72.).
Desta forma compreendemos também que o autorretrato não é um mero exercício estético, mas  proposta de um diálogo consigo mesmo, solitária em seu processo de individuação calmo e sereno. Assim,  comunica um conhecimento puro de sua trajetória, a artista numa alma de mulher consagrada. Os pensadores cristãos e muitos misticos afirmam  que o autoconheimento e o conhecimento de Deus, caminham lado a lado.
Quantas vêzes a ouvi dizer:Estar aqui no meu atelier, é estar em mim, conversando e brincando comigo e até rindo de mim mesma, das minhas macaquices, agradecendo e louvando a Deus, que é tão generoso comigo.  E assim ia captando o discurso do retrato humano.
No autorretrato ela mostra plasticamente o indivíduo como acentuação  da ideia de humanidade enquanto obra do Criador, imagem e semelhança de Deus.  Observando o seu rosto, seus olhos, os óculos, o pincel quase escondido, capta-se a expressão, o reflexo de um conhecimento que não é direcionado às coisas isoladas, parece que ela aprendeu a essência inteira do mundo e da vida. Na sua simplicidade, sem os requintes acadêmicos, mas intuitivamente, manifesta em sua obra a suprema sabedoria cultivada na fé.
 Percebemos na obra o Ápice de toda a sua arte. Aqui o tempo da  autora se mistura com o tempo da sua criação. Seu imaginário se move de um suporte a outro, ou seja, de si próprio para a fotografia e desta para a tela onde a linha delineia o que ela produz na autoimagem. Simultaneamente, consegue apresentar, em  rabiscos ou pinceladas , a lógica do visível a serviço do invisível. É a transfiguração e a interprenetação dos dois planos, humano e divino. A pintora e a mística, numa obra que demarca o mais fielmente possível  o papel desta Mestra da Fisionomia,  marca  de seu pensar estético.
            Outras tantas fisionomias de sua autoria  também  possuem  uma objetividade essencialmente expressiva em sua humanidade, que em nada deve aos rostos sagrados de Rafael. Todas parecem que fitam e querem dizer algo ao espectador. Assim, registrando perfeitamente a figura humana, Ir Myriam  conseguia capturar as características primordiais do personagem. No que reproduzia, estabelecia  por meio do contraste cromático, um jogo de textura a ponto de o espectador sentir como reais  o olhar, o sorriso, alguns traços da fisionomia e até o tecido das vestes.
 Então, de sua forma histórica, restaram para a posteridade outros significativos traços que, podem ser sintetizados aqui, na fotografia que sugerimos.  Através do rosto que é a moldura do seu ser, sua  presença humana  permanece viva  na imagem e na função que esta exerce. Muita coisa não é possível ver.  Mas visualizando  o autorretrato saltam  aos olhos grande naturalidade e realismo. Este é o legado plástico capaz de transcender do que ficou registrado na memória e nos corações de quem teve o privilégio de com ela partilhar a vida, os ideais e a missão, como “Filha do Amor Divino”. Ela tinha razão em dizer: Sou como você me vê e algo mais.

 Ir. Vilma Lúcia de Oliveira, FDC.

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