quarta-feira, 23 de novembro de 2016

  PALAVRAS PARA MINHA MÃE

Por Maria de Lourdes Farias


Não é raro nos confrontarmos com o nosso íntimo, às vezes com o rigor de lembranças vividas, outras com a maturidade forjada na dor e ainda, com o objetivo profundo e determinado de encontrar saída.
Como todo ser vivente, temos nossos momentos da mais alta calmaria e felicidade, mas estes se alternam com outros difíceis, tortuosos que exigem de nós, muitas vezes ou sempre, um ponto de equilíbrio indispensável para o sucesso na passagem.
A lei da vida é implacável. Se deixarmos passar, por um segundo, a oportunidade que nos acena veloz, nunca mais ela passará outra vez.

Neste pensamento reportei-me a tempos idos; momentos inesquecíveis pela beleza da simplicidade onde a alegria, a pureza da inocência, as surpresas pelo desconhecido teciam belas e diferentes vidas na magia da felicidade e da liberdade, ou ceifavam almas pelo desolamento nas situações as mais diversas.
Casualmente, deparei-me com esta imagem que me trouxe toda uma história de vida. (...)
Eu já não morava em Desterro (...) e certo dia cheguei lá, não encontrei mamãe em casa (ela morava sozinha naquele casarão...), mas eu sabia que a encontraria no “roçado”, como chamávamos o sítio de papai, e me apressei para ir até lá, na certeza de que voltaria com ela para casa.
Eu me vi chegar ao rio que com tanto carinho nos acolhia nos momentos em que ele recolhia todas as nossas dores, pensamentos, ideias e transformava tudo em alegria, bonança, quando naquela água, para nós sagrada, entrávamos a brincar ou trabalhar e te vi, minha mãe, ao longe, abafando a tua solidão tão tumultuada pela dor num disfarce de “lavar roupas”... e me aproximei apressadamente, numa atitude insuspeita de salva-vidas; e foi aí que me viste chegar...
Tu me olhavas tão profundamente dentro dos meus olhos... mas não arriscavas nenhuma palavra, nenhum gesto; permaneceste fixamente, me confessando naquela atitude do náufrago que vê, num pedaço de madeira que passa, a possibilidade de salvação... então cheguei mais perto, te cumprimentei, querendo arrancar de ti a solidão e a dor que te abatia e te dei a notícia seguinte: estou aqui para te falar que Nita, Terezinha e eu te levaremos daqui em poucos dias. Precisamos apenas que guardes este segredo contigo até lá. Baixaste então o olhar e me deste um sim apenas com uma lágrima, daquelas tão presentes que desciam fácil pelo teu rosto abatido. (...)

E como a emoção daquele momento que contive em profundo silêncio, porque tu ainda não podias me ver como agora, permanece viva em minha alma! Poderei até esquecer tudo...menos este instante... (30/10/2016)


Um comentário:

  1. Mensagem que sai do íntimo da alma de quem a escreveu. Profunda, emocionante e sensível a quem a lê.
    Nita

    ResponderExcluir