Sou
como você me vê
e algo mais!
Por Irmã Vilma Lúcia de Oliveira, FDC.
Neste conjunto de fotografia e autorretrato contemplamos
um especial elaborado. Trata-se de
Ir. Myriam Serrano Lyra (1917-2007) dialogando com a sua autorepresentação. Um confronto com a realidade de
si mesmo, com a sua verdade, talvez um diálogo com eu profundo, descobrindo e afirmando sua própria identidade. Expressa um possível encontro, bem parecido com ela: Sou como você me vê e algo mais.
Conhecendo Ir. Miriam e, a partir da nossa convivência,
no tempo em que foi Vice–Mestra da Candidatura e do Noviciado, mais tarde como
coirmã na Comunidade do Colégio Nossa Senhora das Neves podemos pensar como Friedrich Nietzsche: Há (neste especial elaborado) uma inocência na admiração: é a daquela a quem ainda não passou pela
cabeça que também ela poderia um dia ser admirada. Admiramos e lhe agradecemos por tudo quanto “pintou em nossa alma”. Portanto, trilhando o caminho existencial de sua vocação, o
autorretrato, alvo do seu próprio olhar, ganha apenas o sentido de um mapa
de sua alma. Não se trata de narcisismo.
É um
olhar atento aos momentos de máxima inspiração, que brota de uma visão
desinteressada do mundo. No estado estético, é indiferente se a contemplação do
pôr do sol ocorre a partir de uma prisão ou de um palácio, se os olhos de quem
vê pertencem a um mendigo ou a um rei, pois nesse instante a contemplação é
impessoal; quem frui o belo é o claro olho
cósmico. Assim, Ir. Miriam erigiu monumentos duradouros de paz de espírito.
Tem-se aí um tipo especial de alegria estética
vinculada ao puro conhecer de seus
caminhos. É uma intuição puramente
objetiva de um espírito direcionado pelo olhar oriundo de uma visão
desinteressada do mundo. ( cfr SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como
representação, pp. 265-72.).
Desta forma compreendemos também que o autorretrato não é
um mero exercício estético, mas proposta
de um diálogo consigo mesmo, solitária em seu processo de individuação calmo e
sereno. Assim, comunica um conhecimento
puro de sua trajetória, a artista numa alma de mulher consagrada. Os pensadores
cristãos e muitos misticos afirmam que o
autoconheimento e o conhecimento de Deus, caminham lado a lado.
Quantas vêzes a ouvi dizer: Estar
aqui no meu atelier, é estar em mim, conversando e brincando comigo e até rindo
de mim mesma, das minhas macaquices, agradecendo e louvando a Deus, que é tão
generoso comigo. E assim
ia captando o discurso do retrato humano.
No autorretrato
ela mostra plasticamente o indivíduo como acentuação
da ideia de humanidade enquanto obra do Criador, imagem e semelhança de
Deus. Observando o seu rosto, seus olhos, os óculos, o pincel quase
escondido, capta-se a expressão, o reflexo de um conhecimento que não é
direcionado às coisas isoladas, parece que ela aprendeu a essência inteira do
mundo e da vida. Na sua simplicidade, sem os requintes acadêmicos, mas
intuitivamente, manifesta em sua obra a suprema sabedoria cultivada na fé.
Percebemos
na obra o Ápice de toda a sua arte. Aqui o tempo da autora se mistura com o
tempo da sua criação. Seu imaginário se move de um suporte a outro, ou seja, de
si próprio para a fotografia e desta para a tela onde a linha delineia o que
ela produz na autoimagem. Simultaneamente, consegue apresentar, em rabiscos ou pinceladas , a lógica do visível a serviço do invisível.
É a transfiguração e a interprenetação dos dois planos, humano e divino. A
pintora e a mística, numa obra que demarca o mais fielmente possível o papel desta Mestra da Fisionomia, marca de seu pensar estético.
Outras tantas fisionomias de sua
autoria também possuem uma objetividade essencialmente expressiva em
sua humanidade, que em nada deve aos rostos sagrados de Rafael. Todas parecem
que fitam e querem dizer algo ao espectador. Assim, registrando perfeitamente a
figura humana, Ir Myriam conseguia capturar as características primordiais do
personagem. No que reproduzia, estabelecia por meio do contraste cromático, um
jogo de textura a ponto de o espectador sentir como reais o olhar, o sorriso,
alguns traços da fisionomia e até o tecido das vestes.
Então,
de sua forma histórica, restaram para a posteridade outros significativos
traços que, podem ser sintetizados aqui, na fotografia que sugerimos. Através do rosto que
é a moldura do seu ser, sua
presença humana permanece viva na imagem e na função
que esta exerce. Muita coisa não é possível ver. Mas visualizando o autorretrato saltam aos
olhos grande
naturalidade e realismo. Este é o legado
plástico capaz de transcender do que ficou registrado
na memória e nos corações de quem teve o privilégio de com ela partilhar a
vida, os ideais e a missão, como “Filha do Amor Divino”. Ela tinha razão em
dizer: Sou como você me vê e algo mais.
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