sábado, 11 de março de 2017


Artigo         SOB A LUZ DAS VITÓRIAS

Por Ir. Vilma Lúcia de Oliveira, FDC


Luz e Vitória - Mais que tema é um leme. Afinal, são noventa anos em travessia pelo mar do tempo, sob a   Luz e o Timão da Senhora das Vitórias.

Se a primeira tarefa da Educação é ensinar a ver, como dizia Nietzshe, então, não basta só enxergar. Na realidade, o olhar obedece às leis da física ótica, mas a visão segue a
inspiração da Luz. Com esta visão, o Nossa Senhora das Vitórias
[1] (ENSV) vive, conta, canta e agradece os feitos e efeitos das conquistas da Luz. Luz modeladora e promotora da visão humana de pessoa, de mundo, de vida e Vitória, que não segue a logica do sucesso.

Do mapeamento documental, da pesquisa histórica da instituição, destacam-se dois aspectos que são determinantes para os fundamentos historiográficos, das origens do ENSV. O primeiro se baseia nas principais ocorrências entre 1920-1927, por ocasião do surgimento da ideia de uma escola voltada para a formação da mulher à chegada das Irmãs, Filhas do Amor Divino, para dirigir os trabalhos da Entidade. O segundo diz respeito ao contexto, do momento, tendo como foco principal a Igreja, a mulher e a Educação. A abordagem é delimitada pelo tempo e espaço suscintamente entrelaçados como luz e leme.  Leme que direciona o velejar institucional, atravessando nove décadas, em mar aberto, singrando pelo tempo, sob a direção da Luz da Senhora das Vitórias. Luz que dá forma e plasma à sua história. Tendo como leme o Evangelho e o carisma de Madre Francisca Lechner: Compreender amando, amar amparando, amparar salvando. Evangelho e carisma articulados num sistema de direção permitindo aos navegantes da comunidade educativa, desfrutar os ventos na direção desejada, impedindo que a embarcação navegue à deriva, inclusive quando os ventos sopram na direção contrária.

Tudo começou em 1920 quando o Jornal “A Cidade”, semanário dirigido por Palmério Filho, lançou o desafio: a fundação de um estabelecimento de ensino para fazer jus ao desenvolvimento que se processava no Vale do Açu.

Sob a liderança do Monsenhor Joaquim Honório da Silveira e do Padre Júlio Alves Bezerra, apoiados pelo Bispo da Diocese de Natal[2], D. Antônio dos Santos Cabral[3], foi formada uma comissão constituída pelas principais lideranças da cidade, para construir uma escola cristã destinada à formação de mulheres, às futuras mães da região. Igreja e Comunidade de mãos dadas estabeleceram as regras básicas da sua construção e o fazer comunitário foi a luz que iluminou e o leme que direcionou os trabalhos iniciais. 

No dia 3 de julho de 1922 aconteceu a primeira reunião para organizar e mobilizar a comunidade para construir o Colégio, que foi denominado de Colégio Nossa Senhora das Vitórias. A construção começou no dia 7 de setembro de 1922, com o lançamento da pedra fundamental, como parte das festas em que se comemorava o primeiro centenário da emancipação política da cidade. No dia 5 de dezembro de 1925, o novo Bispo Diocesano, Dom José Pereira Alves[4], presidiu uma reunião para arrecadar ajudas destinadas à conclusão do prédio. A Comunidade empreendeu mais dois eventos para angariar mais benefícios: Um no dia 24 de dezembro de 1925 e o outro no ano seguinte, em 1926, no dia 13 de maio com sucesso.  

No dia 11 de julho de 1926, o Jornal “A Cidade” divulgou o seguinte telegrama: Senhor Bispo obteve Congregação Filhas do Amor Divino aceitou direção nosso Colégio. A alegre notícia percorreu pela comunidade e todos envidaram esforços para que a obra chegasse ao seu término. Boa parte da edificação culminou em 1927 o essencial para receber as Filhas do Amor Divino, que iriam assumir a direção dos trabalhos da Instituição.

No dia 17 de fevereiro de 1927, as Irmãs desembarcaram em Recife. No dia 19 de fevereiro prosseguiram viagem e no dia 22 de fevereiro as Irmãs Alberta Garimbert, Digna Taudes, Volkmara Stanoscheck chegaram à Açu e com elas uma esperada chuva. A recepção começou em Lages e de Lages vieram para Açu no Ford dirigido por Luiz Lucas Lins Caldas Neto.

No dia 8 de março veio o Bispo de Natal, Dom José Alves, acompanhado do Monsenhor Honório, do Presidente do Estado, Dr. José Augusto Bezerra[5] e de alguns outros senhores de Natal, para a festa de Inauguração programada para o dia 9 de março de 1927. De acordo com o programa publicado, às 7h e 30mn tiveram início as cerimônias religiosas com a Bênção do Prédio e a Santa Missa na Capela do Colégio. O Presidente foi o Sr. Bispo Diocesano, acolitado pelo Monsenhor Joaquim Honório e o Vigário da Paróquia, o Padre Júlio Bezerra. Seguiu-se uma Sessão Magna, presidida pelo então Presidente do Estado.
São significativas as afirmações feitas pelo Dr. Adalberto Amorim, orador oficial da Sessão Inaugural, especialmente quando adjetiva o Nossa Senhora das Vitórias como Oficina de Luz, Viveiro espiritual e citando Júlio Simon, o orador dizia que cada vez que se educa uma filha, funda-se uma escola. Assim, o Nossa Senhora das Vitórias foi inaugurado, por entre festas de acolhimento, de gratidão, de belos e proféticos sonhos.

Queriam uma escola cristã para a formação da mulher. Se de um lado numa sociedade em que o catolicismo predomina, justifica-se a busca por uma escola cristã, do outro percebia-se uma efervescente transformação social. No início do século XX, portanto, na década de 1920, devido ao panorama econômico-cultural e político delineado após a Primeira Grande Guerra, o Brasil começou a se repensar. Entre 1920 e 1930, a chamada “Pedagogia da Escola Nova” entra em cena, trazendo as novas teorias e práticas da Educação, influenciadas pelas ideias inovadoras de estudiosos do Brasil e de outros países. É desta época as fundações das Universidades Católicas no Brasil.  

Neste ínterim começava também uma nova construção identitária feminina. Em diversos setores sociais, as mudanças eram debatidas e reformas eram propostas. Com a implantação dos ideais da Escola Nova, o papel do Estado em matéria educacional foi redefinido e já estava em processo os movimentos em prol da mulher. Eram alguns dos sintomas da necessidade de uma nova construção cultural, diferente da que envolvia a escola e a função social da mulher.

Neste contexto, já circulam nos meios pensantes as ideias como a do historiador e filósofo francês Jules Michelet, principalmente as que estão no seu livro, A Mulher, publicado em 1859. Desde então são fomentadas as convicções da mulher como redentora, como anjo de paz e de civilização. A mulher tornase a pedra fundamental de toda a sociedade, pois, educando a criança, forma o homem. Se o homem é a força da criação, a mulher é a redenção da humanidade[6]. É emblemático o discurso de inauguração, no dia do lançamento da Pedra fundamental para a construção do Colégio. Porque desde 1859 já dizia Jules Michelet: Toda mulher é uma escola, e é delas que as gerações recebem realmente sua crença. Muito antes que o pai pense na educação a mãe deu a sua, que não mais se apagará[7]   

Hoje, a escola de outrora, rejuvenescida pelo refletor das suas origens, continua sua navegação.  Se na poesia de Fernando Pessoa o encontro das linhas do Mar e do horizonte, espelha o céu, nos horizontes da história desta oficina de luz – viveiro espiritual, a Luz e o Leme se confundem. Assim, parafraseando o mesmo poeta, podemos dizer que hoje, o Educandário continua atualizando as primícias da sua história sentindo-se nascido para a eternidade do mundo sob a Luz e o Timão da Senhora das Vitórias.


[1] Cfr. Amorim, Francisco, Colégio Nossa Senhora das Vitórias, 50 anos, (Coleção Assuense) série A n° 001, 1977, p 7.  Este trabalho tem como base esta obra, o Livro de Tombo da Paróquia São João Batista, o Livro das Crônicas da Casa Matriz das Filhas do Amor Divino e o da Comunidade de Açu.  E também OLIVEIRA, Vilma Lúcia, in História da Paróquia de Assú, org. por DE LIMA, Auricéia Antunes, Coleção Assuense, Vol. 0008, Assú, dezembro de 2002, pp 302-315.
[2] Nesta época a Paróquia de São João Batista pertencia à Diocese de Natal. A Diocese de Mossoró foi criada em 28.VI.1934, logo, 7 (sete) anos após a Fundação do Educandário Nossa Senhora das Vitórias.
[3]  É o segundo bispo da Diocese de Natal, natural de Propriá, Sergipe. Governou a Diocese de Nossa Senhora da Apresentação de: 30. V. 1918 – 21. XI. 1921; daqui foi transferido para a Diocese de Belo Horizonte. 
[4] Sucessor de D. Antônio dos Santos Cabral, D. José Pereira Alves, nasceu em Palmares, Pernambuco, governou a Diocese de Natal de 17. VI. 1923 – 27. I. 1928, daqui foi transferido para a Diocese de Niterói.
[5] Governou o Rio Grande do Norte de 1. I. 1924 – 1. I. 1928.
[6] MICHELET, Jules, A mulher, São Paulo. Martins Fontes, 1895, p. 275
[7] Loc Cit, p. 118.

Um comentário:

  1. Obrigada Irmã Vilma Lúcia, pela homenagem sua através deste artigo tão significativo para o momento.
    Obrigada Nadja, por manter nosso Blog sempre atualizado. Obrigada pela rapidez em tornar publico o momento significativo da nossa história em Assu.

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